sábado, 19 de junho de 2010

A Primeira Face da Guerra

Na altura que escrevo estas linhas, falta poucos meses para fazer quarenta e dois anos, desde aquela manhã de terça-feira, dia 5 de Maio de 68, que em cumprimento da ordem recebida, me apresentei no Regimento de Infantaria 3 em Beja.

Quase em frente ao Edifício do Comando alinhei numa fila, semelhante a uma formatura. Seguiu-se a passagem pelo barbeiro, onde sofri o tradicional corte de cabelo, com muita pressa e sem cerimónia, pela parte do barbeiro.

A recruta durou dois meses, (andar em Beja nos meses de Maio Junho e alguns dias de Julho, a correr fardado naquelas estradas com o alcatrão a derreter, só sabe dar o valor quem por lá passou).

Jurei bandeira no dia 5 de Julho. Recebi as guias de marcha, para me apresentar em Santa Margarida, Regimento de Cavalaria 4, onde tirei a especialidade, «atirador de cavalaria» que terminou no final de Agosto. Fui dez dias de férias, mas passados três dias, recebi uma carta, para me apresentar que, estava mobilizado para Angola.

As primeiras sensações foram horríveis, mas fui-me habituando à ideia, tendo sempre em mente que ia defender a minha Pátria.

Foi a máxima que me incentivou e, muitas vezes, me desviou do desespero. Fiz a minha preparação para a guerra em Santa Margarida. Tive sorte, que o Comandante do Centro Instrução, era Armando Maçanita e aceitou o pedido dos Comandantes de Companhia, que ali se preparavam para a guerra em África, para ser ele a dirigir, pessoalmente, a instrução, tinha sofrido na pele uma Comissão em Angola e outra em Moçambique, o que fazia dele, em 1968, um dos oficiais portugueses com mais experiência de guerra. Aceitou treinar os futuros combatentes em Santa Margarida. Construiu uma pista de combate, com todo o tipo de obstáculos que os soldados iriam encontrar em África, acompanhou a instrução e ensinou o que sabia. A instrução, terminou no fim de Setembro.

Fui à terra com dez dias de férias e dia 10 de Outubro saí da terra para à noite estar no Regimento. Os meus pais foram comigo até Moura. Quando o comboio saiu da estação e passou a primeira curva, eu e o Madeira (que ia para Angola no mesmo Batalhão) olhámos um para o outro, abraçámo-nos e começámos os dois a chorar. No dia 12 de madrugada partimos para Lisboa. Às 10 horas perfilámo-nos em parada, no Cais da Rocha Conde de Óbidos em Lisboa e marchámos em direcção ao Navio Vera Cruz.

Embarcámos com destino a Angola, como tantos outros militares, ali deixei cair algumas lágrimas, na hora da despedida. Muitos foram os jovens militares que ali disseram adeus para sempre aos seus familiares e amigos, tendo durante a comissão militar adormecido, no sono eterno em plena flor da vida. Partíamos com grande probabilidade de nunca mais voltarmos.

A imensidão das águas do mar era desconhecida para muitos de nós. As saudades doeram logo à partida e apertaram os corações mais sensíveis. Os primeiros dias de viagem foram de medo, nenhum de nós sabia se voltava inteiro daquela guerra.

Chegámos a Angola no dia 21 de Outubro. Após a revista às tropas, fomos literalmente enlatados em vagões de mercadorias, com destino ao Grafanil, onde se concentrou ”a carne para canhão”. Passámos lá uma semana. Dali seguimos em viaturas de carga (como gado para o abate) para Zala região dos Dembos Norte de Angola, a pior zona da guerra.

Eu não gosto muito de falar da guerra, prefiro relembrar os bons momentos. Os petiscos, a camaradagem, a sensação de ter cumprido o meu papel e de estar vivo...

Lá era essencial viver o dia – a - dia. Nunca se pensava no dia seguinte, porque não se sabia o que poderia acontecer.

Saímos de Luanda de madrugada, fomos escoltados pelos Dragões, passámos por, Quixico, Quipedro, até à fazenda Maria Fernanda. Aí estavam as tropas de Nambuangongo que nos escoltaram até à Madureira, de Madureira a Zala. Foram as tropas da 1717 que nos escoltaram. Chegámos a Zala cerca das 22 horas. Nessa noite dormimos por lá, no dia seguinte, a Companhia 1717, que era a companhia que nós fomos render, partiu de manhã para outra zona e nós ocupámos os nossos lugares na caserna por treze meses.

Eu pertencia à Companhia de Cavalaria 2430 do Batalhão 2854.

25 Meses de guerra, quase sempre nas zonas perigosas, muita fome, sede e muitas noites sem dormir, molhados até aos ossos cheios de frio e muitas mortes. A nossa missão era fazer, reconhecimentos, escoltas, operações, emboscadas, golpes de mão e assaltos á mão armada. Em suma fazer guerra. Dois dias depois de estarmos em Zala, fomos fazer reconhecimento á zona mais um grupo da companhia 1717.Na semana seguinte já foi o meu grupo escoltar o resto da companhia que vinha de Luanda.

Quinze dias depois fomos fazer a primeira operação, de noite fomos atacados e morreu o Paulo com um tiro na cabeça. Foi o nosso baptismo de fogo.

(O Paulo era um rapaz que andou sempre no meu grupo, recruta, especialidade e Angola.) Ficamos bastante abalados (quando morria um companheiro em combate, o tempo parava em nós, como os ponteiros de um relógio avariado). Era como se de repente ficássemos viúvos de um amigo, como se um pedaço de nós partisse numa viagem para lado nenhum.

Durante os dias que se seguiam quase ninguém falava, estávamos de luto e cheios de medo, e o que mais ocorria ao nosso pensamento eram estas terríveis palavras;” Na próxima poderei ser eu”.

«Ter matar, para não morrer».

(Sangue, Suor e Lágrimas.)

No dia 1 de Novembro fomos para o Grafanil á espera de embarque, o que aconteceu no dia 16. (O porão do Vera Crus vinha cheio de caixotes de madeira compridos) dia 25 chegamos a Lisboa. Fomos direito ao regimento RC 4.

Em 13 anos de (Guerra Colonial.) Cerca de 800 mil jovens portugueses, foram mobilizados. Esta imensa geração combatente (quase 10 por cento da população portuguesa e mais de 90 por cento da juventude masculina da época)

Ficando na (Guerra Colonial) Cerca de 10 mil mortos, 20 mil deficientes físicos, e ainda possivelmente 140 mil neuróticos de guerra.

Nas ruas, uma grande parte da população, sem abrigo, dentro da faixa etária entre os 55 e70 anos, são ex-combatentes do Ultramar.

Neste momento os ex-combatentes, recebem do estado português, uma pensão de, (160 Euros por Ano)

Manuel Calhanas

quarta-feira, 5 de maio de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A outra face da guerra

Foram mais de dois anos que centena e meia de homens viveram juntos, irmanados num mesmo local e vivendo os mesmos perigos, as mesmas tristezas.

Éramos praticamente desconhecidos uns dos outros, quando nos reunimos em Santa Margarida, para formar companhia. Em mais de dois anos, vivendo lado a lado, muitas vezes tivemos de nos confortar uns aos outros, quando qualquer de nós, ou todos, em geral, era atingido por qualquer coisa menos boa. Muitas vezes vivemos, quer alegrias quer tristezas, uns dos outros. Quantas vezes, com saudade, recordámos juntos os entes queridos que estavam longe, em especial nos dias mais festivos!

Tudo ficou para trás. Conquistámos finalmente o direito de viver em paz. Ao longo da «comprida, mas cumprida» comissão todos nós aprendemos alguma coisa! Todos nós aprendemos mesmo muito! Todos nós ficámos mais bem preparados para a vida.

Para muitos de nós, foi a oportunidade do primeiro duche diário, muitos militares usaram, pela primeira vez, uma roupa e umas botas para o trabalho e outra para o fim-de-semana.

Mas também foi a oportunidade de verificar que as diferenças entre os militares da cidade e os militares das aldeias, não eram assim tão grandes, depois de fardados todos de igual e com as mesmas oportunidades: os das aldeias, habituados à bota cardada, sentiam-se mais preparados para a bota da tropa; os da cidade, habituados ao sapatinho de luva, arrastavam-se pelos matos com a bota da tropa.

E quando a tropa acabou, mais esclarecidos, regressámos ao "não havia", verificámos que, aquela não era a vida que queríamos para nós, nem para os nossos filhos.

E quando arranjar trabalho no Alentejo se tornou mais difícil, “quando apareceram as ceifeiras-debulhadoras e a monda química por avioneta”

Disse adeus à ceifa e à apanha da azeitona, às açordas de alho e aos “jantarinhos” de feijão, e vim trabalhar para a Marinha Grande. No fim do dia tirava oitenta escudos, ordenado que tiraria como tractorista, se tivesse continuado no Alentejo.

“Vim a pensar no filho, porque não queria que ele passasse o mesmo que eu passei”.

Fui para a cidade à procura de um trabalho, de um salário diário e de algumas regalias sociais.

As anedotas sobre os Alentejanos começaram a ter resposta, e explicámos aos meninos da cidade o que era um "chaparro".

E levámos para a terra de acolhimento as nossas culturas, os nossos saberes e os nossos sabores. Como se sabe, o Alentejo é rico em gastronomia, utilizando muitas vezes ervas aromáticas (na Marinha Grande não se conheciam poeijos, orégãos e coentros, hoje encontram-se à venda no mercado e nas superfícies comerciais).

É certo que este vasto aglomerado de empresas não pagava ordenados por aí além. Mas tinha uma inestimável vantagem para quem vinha do Alentejo: garantia de trabalho contínuo, chovesse ou fizesse sol, estivesse o patrão bem ou mal disposto, e algumas regalias sociais. Que mais poderia desejar quem chegava de uma terra onde grassava o desemprego, onde o pão dependia dos humores do clima e do proprietário rural, e as jornas se contavam por tostões?

Vindo de todos os cantos do Alentejo, do Alto do Baixo ou do Litoral, os alentejanos transportaram na sua bagagem o apego à terra que os viu nascer, juntamente com os seus usos e costumes, e uma cultura popular. Nessa cultura sobressaía o "cante", grande hino identitário, lembrando a terra deixada, os usos e tradições. O "cante" dá-nos a oportunidade de matar saudades, deixa expandir as mágoas e mostra que, mesmo longe, continuamos a ser Alentejanos.

Manuel Calhanas

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Fiquem atentos!

Uma nova etapa está a decorrer...
Brevemente alguns trabalhos!

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