quarta-feira, 29 de julho de 2009



A rádio na minha vida
Nasci numa aldeia, ao Sul de Portugal, perto da fronteira de Espanha, onde a luz só foi instalada em 1969.

Naquela altura e naquela zona, a rádio era a única fonte de informação, apesar de também haver poucas telefonias: as que havia encontravam-se nas tabernas, nas sedes associativas e nas casas das classes altas.
Como eu pertencia à classe média, era na sede que ouvia a rádio.
Lembro-me. Era um rádio grande, ao canto da sala, tapado com um pano para não apanhar pó, e estava ligado a uma bateria de seis “voltes”, havendo sempre uma segunda bateria para quando a primeira descarregasse.
Quando chegava a noite, ligava-se o rádio, esperávamos que as válvulas aquecessem e todos se juntavam naquele canto, a ouvir as notícias na Emissora Nacional. Ouvíamos também as rádio-novelas, os discos pedidos (quando o telefone toca) e, aos Sábados, o “Serão para Trabalhadores”.
Quando os mais velhos se iam deitar, começavam as nossas “aventuras” nas rádios proibidas. Eram mesmo os locutores das rádios nacionais (das rádios oficiais do regime) que nos atiçavam a curiosidade para as ouvir: quando o Ferreira da Costa começava as notícias e dizia sempre: (A Rádio Moscovo não fala verdade), nós ficávamos com mais vontade de ouvir essas rádios proibidas, nomeadamente a B.B.C. e a Rádio Portugal Livre.
Foi nestas estações que ouvi a notícia da invasão da Índia, da ocupação do quartel de Beja pelo capitão Varela Gomes, mais tarde, do assalto ao Santa Maria pelo Henrique Galvão.
Foi também nestas rádios que comecei a ouvir falar acerca do embarque das tropas para o Ultramar.
Entretanto, apareceram os rádios transístores, a pilhas. Então, já muita classe média tinha os seus rádios em casa. Os meus Pais também tinham um. Foi neste rádio que a minha Mãe soube do meu embarque para Angola.
Em Angola, a minha caserna era ao lado da rádio transmissões. Nós conseguimos fazer uma ligação à antena e ouvíamos, no nosso rádio, a Voz da Liberdade, vinda de Argélia, onde alguns oficiais resistentes das nossas tropas, como Manuel Alegre, nos diziam a verdade da guerra. Também ouvíamos a rádio Combatente de Angola, a que as nossas tropas chamavam a Rádio Maria Turra, vinda da Tanzânia.
Foi na rádio que a minha Mãe soube do meu regresso ao continente, assim como do meu desembarque do paquete Vera Cruz em Lisboa.
Foi também na rádio que ouvi as primeiras informações sobre o 25 de Abril.
Neste momento, ainda é a rádio a minha companhia, no carro, quando vou de viagem, ou no quintal, a ouvir música e futebol.

Manuel Calhanas